Lou Andreas Salomé e Rilke

Qualquer que tenha sido a reserva de Lou ao conhecer Rilke,não pôde resistir por muito tempo ao seu cerco apaixonado.

Em suas memórias, ela escreveu:

" Fui sua mulher durante anos porque você foi a primeira realidade, onde homem e corpo são indiscerníveis um do outro, fato incontestável da própria vida.Eu poderia dizer literalmente aquilo que você me disse quando me confessou o seu amor: 'Só você é real'. Foi assim que nos tornamos marido e mulher, antes mesmo de nos tornarmos amigos, não por escolha, mas por esse casamento insondável. Não eram duas metades que se buscam: trêmula, nossa unidade, surpresa, reconhecia uma unidade pré-ordenada. Éramos irmão e irmã, mas como nesse passado distante, nates que o casamento entre irmão e irmã se tornasse sacrilégio."



Apesar dessa interpretação dada por Lou à sua aventura amorosa, esse acontecimento permanece um enigma.Depois de muito tempo, Lou escreveu que parecia haver dois Rilkes, um auto confiante e um outro dominado por uma introspecção mórbida.Era um espetáculo assustador ver o "outro Rilke" surgir bruscamente, esperou que seu amor o curasse, mas seus receios aumentaram cada vez mais e resolveu pôr fim àquela aventura.Não obstante, entre o brusco começo e o fim também brusco, quase três anos de amor e poesia transcorreram.


Retirado de: Lou, minha irmã,minha esposa.

Segue fragmentos de cartas:


Longe de Lou, Rilke resolveu passar algumas semanas na casa de um amigo. Foi quando conheceu Clara Westhoff, uma escultora aluna de Rodin. Ele a pediu em casamento, surpreendendo Lou, que lhe escreveu uma carta alguns dias antes das núpcias.


"Agora que tudo é sol e calma ao redor de mim e que o fruto da vida conquistou sua redondeza madura e doce, a lembrança que nos é certamente ainda cara a nós dois daquele dia de Waltershausen, em que vim a ti como uma mãe, me impõe uma última obrigação (...) Se te aventuras livre no desconhecido só será responsável por ti mesmo".

Pouco depois, recebeu o seguinte poema escrito por Rilke:


"Permaneço no escuro como um cego
Porque meus olhos não te encontram mais
A faina turva dos dias para mim
não é mais que uma cortina que te dissimula.
Olho-a, esperando que se erga
esta cortina atrás da qual há minha vida
a substância e a própria lei da minha vida
e, apesar disso, minha morte.
Tu me abraçavas, não por desrazão
mas como a mão do oleiro contra o barro
A mão que tem poder de criação.
Ela sonhava de algum modo modelar –
depois se cansou,
se afrouxou
deixou-me cair e me quebrei.
Eras para mim a mais maternal das mulheres,
eras um amigo como são os homens,
eras, a te olhar, mulher realmente, mas também, muitas vezes, criança.
Eras o que conheci de mais terno
e mais duro com que tenho lutado.
Eras a altura que me abençoou –
te fizeste abismo e naufraguei."


Lou a Rilke
Göttingen, 11 de junho de 1914 Meu velho e querido Rainer, – saiba você, chorei terrivelmente lendo sua carta, que estava ridícula, mas nós podemos, às vezes, impedirmo-nos de ver a vida acolher desta maneira os mais preciosos de seus filhos. Eu o acompanhava com todos os meus pensamentos – se é que se pode chamar isto “acompanhar”, quando nos perguntamos a cada dia onde se pode encontrar alguém: se este subiu para as alturas até os confins da humana atmosfera, ou se caiu no fundo de uma cratera, debatendo-se entre os mil fogos que nunca queimaram no seio da terra. Quando você me escrevia a respeito de minhas “Cartas”, com toda espécie de “s” tornando-as alegremente loucas, parecia-me concebível que um período produtivo tivesse lhe invadido, provocado por alguma experiência afetiva; e é sempre este o momento em que um terrível perigo parece tão próximo quanto uma grande vitória. É fácil então, para certas almas, sacrificar um nada de produtividade que lhe viesse a favor de uma experiência fortemente vivida; e, em certas ocasiões, outras, criadoras por natureza, conseguissem fazer o inverso; mas acontece que muito mais freqüentemente, sem dúvida, as duas tendências se encontram na metade do caminho e morrem por estarem mutuamente destruindo a estrada. Mas – embora desta vez você seja o único responsável por esta morte, pois você não tem motivos para desculpas, nem álibis – uma coisa entretanto fica fora de dúvidas: a maneira como você ressuscita isto em suas palavras é exatamente, oh! é exatamente a antiga, a íntegra potência que dá vida àquele que está morto – e, além do mais: o luto provocado pelo acontecimento é aquele de uma alma cujo sentimento mais sutil, mais interior, em nada saberia ser mais inocente do que te acusas.....

....E, no entanto, é você mesmo – como é você também que em um momento qualquer é incapaz de trabalhar ou o faz negligentemente. E certamente você não tira nada, e nem pode tirar, do fato de que este, apesar de tudo, não é você, pois não saberíamos nos alimentar do pão fechado em um armário, não mais que nos nutrimos da espera dos grãos do trigo a colher nos campos. É porque, se padeci por este motivo, eu padeceria novamente como uma outra espectadora, que ao mesmo tempo fica comovida com o pensamento de que o pão e os frutos do campo existem. Eis o que resta agora sob o “vidro duro e frio da vitrine”; você não o possui, e o vidro reflete a você mesmo. Portanto, estava aí uma prova da grandeza de suas propriedades, e como você quase não as conhecia sob este aspecto – sua profundidade, sua riqueza, – do mesmo modo elas ainda têm a lhe oferecer outras, das quais você não poderia, mesmo hoje, suspeitar, e das quais qualquer coisa muito mais fina que o vidro lhe encobre a visão. Mas para que servem todas estas palavras? No momento você nada experimentará de diferente, se isto é apenas algo de fino ou denso que lhe separa da vida, e toda palavra contrária é estúpida, tola e impotente.

Lou Andréas-Salomé

De Rilke a Lou:

Munique, 8 de junho de 1897 Terça- feira

As flores dos campos que trouxe há uma semana de uma manhã maravilhosa há muito estão deitadas entre as grandes folhas de um terno mata-borrão; mas nesta hora em que as contemplo, sorriem-me como uma recordação cheia de graça esforçando-se por parecer alegres como outrora.- Foi uma dessas horas singulares. Horas que são como o coração de uma ilha cingida por densas florescências: para além destas muralhas primaveris, as ondas respiram quase imperceptivelmente, e não se avista um únici barco que venha do passado distante, nem um só que queira continuar para o futuro. O fato de se lhe dever seguir um regresso ao quotidiano não pode esbater estas horas insulares. — Elas permanecem à margem de todas as outras horas, como que vividas ao mais alto nível do ser. Este tipo de existência insular e mais elevada é a meus olhos o futuro de muito poucos.


Uma felicidade toca, floresce ao longe,
Alastra em volta da minha solidão
E procura tecer para os meus sonhos
Um enfeite de ouro.
E ainda que
A minha pobre vida esteja gelada de madrugada
Inquieta e neve dolorosa,
A hora santa virá para ela,
Um dia, da sagrada Primavera......

Desejaria estar já em Dorfen. A cidade é tão ruidosa, estranha. E, nos períodos de maturação interior, nada de estranho deve aflorar as nossas margens. Um dia, daqui a muitos anos, compreenderás completamente tudo o que és para mim. O que é a fonte da montanha para quem está sequioso. E se quem está sequioso é um homem íntegro e agradecido, não vai procurar frescura e força à sua claridade para voltar a partir para o novo sol; sob sua proteção e suficientemente perto para ouvir o seu canto, constrói uma cabana e permanece neste vale pacífico até que os olhos estejam cansados do sol e o seu coração transborde de riqueza e de compreensão. Eu construí cabanas e — permaneço. Minha límpida fonte! Como te estou agradecido. Não quero mais ver flores, céu, sol — a não ser em ti. Tudo é absolutamente mais belo, mais fabuloso, quando o olhas: a flor nas tuas margens, que — sei isso do tempo em que tinha de ver as coisas sem ti — treme de frio no musgo, solitária e terna, reflete-se clara na tua bondade, vibrante, e quase aflora com a sua pequena cabeça o céu que irradia da tua profundeza. E o raio de sol que chega empoeirado e único aos teus limites transfigura-se e multiplica-se em chuva de centelhas nas ondas luminosas da tua alma. Minha límpida fonte. É através de ti que quero ver o mundo, porque, ao mesmo tempo, verei, já não o mundo, mas apenas a ti, a ti, a ti! Tu és o meu dia de festa. Quando em sonhos me junto a ti, tenho sempre flores nos cabelos. Desejaria colocar-te flores nos cabelos. Quais? Nenhuma tem a simplicidade comovente que deveria, nenhuma é suficientemente simples. Em que Maio colhê-las? — Mas creio agora que tens sempre nos cabelos uma grinalda — ou uma coroa... Nunca te vi de outro modo.
Nunca te vi, que não tivesse o desejo de te rezar. Nunca te ouvi, que não tivesse o desejo de acreditar em ti. Nunca te esperei, sem o desejo de sofrer por ti. Nunca te desejei, sem ter também o direito de me ajoelhar à tua frente. Sou para ti como o bastão para o caminhante, mas sem te apoiara. Sou para ti como o cetro é para o rei, mas sem te enriquecer. Sou para ti como a última pequena estrela é para a noite, ainda que a noite mal a distinguisse e ignorasse a sua cintilação.

René


Do livro: "Correspondência Amorosa", Rainer Maria Rilke e Lou Andreas-Salomé, trad. Manuel Alberto, Relógio D'Água Editores,1994, Lisboa. Enviado por: Márcia Maia


E o poema :


Tapa-me os olhos: ainda posso ver-te
Tapa-me os ouvidos: ainda posso ouvir-te
E mesmo sem pés posso ir para tí
E mesmo sem boca posso invoca-te.
Arranca-me os braços: ainda posso apertar-te
Com meu coração como com a minha mão
Arranca-me o coração: e meu cérebro palpitará
e mesmo se me puseres fogo ao cérebro
Ainda ei de levar-te em meu sangue.

Rilke.

7 comentários:

ROSANGELA DE CARVALHO disse...

Devias ler

http://atalaiaspace.blogspot.com/search?q=lou+andreas

tem algo mais sobre ela...é uma de minhas paixões

Amei esse teu blog...

Adorador de Crepúsculos disse...

vc mexeu numa parte minha bem íntima: o gosto que tenho pela literatura Rilkiana, e a admiração que tenho pela Lou, ainda mais por ela ter sido a grande paixão de Nietzsche, e ter sido tão mulher, tão emancipada. Enfim, é maravilhosa a Lou.
Obrigado.
Beijos

Patricia Alves disse...

Adorei seu blog, já estou seguindo.
Adoro Lou Andreas Salomé e Rilke.
Parabens pelo blog

Rita Gonçalves disse...

Muito bom ! Parabéns pelo Blog.

Barão de Sealand disse...

Prezada,
Gostei muito do seu blog. A Lou tem um livro sobre o Rainer, vc poderia me infomar onde encontrá-lo? Estou escrevendo uma peça sob ela e esse livro seria deveras útil.

Obrigado

Unknown disse...

SHOW LER SOBRE LOU, MULHER ALEM DE SEU TEMPO,E RAINER EXPRESSAVA SUA IDEIAS DE FORMA MUITO CLARA E VERDADEIRA, CADA VEZ QUE LEIO LOU PERCEBO DE ONDE NOSSA SAUDOSA CLARICE LISPECTOR ANDOU BEBENDO, MERA SEMELHANÇA MAIS COM CERTEZA TENDO LOU COMO FONTE INSPIRADORA DE NOSSA QUERIDA POETISA E ESCRITORA. AMEI O BLOG .

Unknown disse...

HÁ ME ESQUECI ZOOT_ALLURES.